28 de março de 2013

Destino





"...eu vejo as coisas como são, foram e serão. E ele foi o senhor das coisas que não foram e jamais serão..."


“Destino é o mais velho dos Perpétuos. No princípio havia a Palavra, e ela foi escrita à mão na primeira página de seu livro, antes mesmo de ser pronunciada. Para os olhos mortais, Destino é, também, o mais alto dos Perpétuos.
Alguns creem que ele seja cego, enquanto outros, talvez mais sabiamente, alegam que ele tenha viajado além da cegueira e que, na verdade, não possa ver nada, exceto “enxergar” os finos traçados espirais das galáxias no vazio, observando os intricados padrões da vida em sua jornada através do tempo.
Destino cheira a bibliotecas empoeiradas à noite. Ele não deixa pegadas. Ele não projeta sombra.”

Destino dos Perpétuos é o mais velho de sua família e é também o único que não foi inventado por Neil Gaiman, fazendo sua estréia na revista Weird Mystery Tales, durante os anos 70. Pouco tempo depois o personagem ganhou sua própria revista “Secrets of the Haunted House”. Naquela época não havia menção de sua família, ainda que certa vez um irmão Morte tenha aparecido (mas em seu aspecto tradicional de esqueleto ceifador) e o manto do personagem era inteiramente roxo. As duas séries consistiam basicamente de pequenos contos onde Destino fazia pontas e servia como anfitrião aos leitores (caso semelhante a diversos outros personagens de Neil, como Lucien, Cain, Abel e Eva, esta última da mesma revista de Destino). Marv Wolfman, seu criador, afirma que a solução encontrada por Gaiman para ele, como o mais velho dos Perpétuos, foi mais do que satisfatória.

Destino é um personagem emblemático. Pouco podemos afirmar sobre o mesmo. Nos é dito que junto com sonho ele é quem mais leva a sério suas obrigações, mas pouco podemos afirmar sobre estas. Ele vive em um seu reino que é um grande jardim, onde o destino de tudo caminha sob extensos labirintos. Em sua morada também existem estátuas gigantes dele e de seus irmãos, que se mexem quase imperceptivelmente diante do caminhar do tempo.  Seu reino também é habitado por seus servos, pequenos seres de manto cinzento que obedecem o comando do Perpétuo. Mas afinal, o que faz Destino? Como sua existência se relaciona com a ideia de liberdade?

A verdadeira primeira aparição do mesmo (a ponta na edição 7 é bastante fraca) é no Prelúdio de Estação das Brumas, uma das edições mais fascinantes da saga, onde nos são apresentados “todos” os perpétuos. Neste capítulo podemos observar que Destino fica confuso ao encontrar com as Damas Cinzentas, e que efetivamente necessita de consultar o livro para saber o que deve fazer em seguida. Quando vamos ler a descrição do mesmo nos deparamos com a afirmação “No princípio havia a Palavra, e ela foi escrita à mão na primeira página de seu livro, antes mesmo de ser pronunciada”, reparem que em momento algum fica claro quem teria escrito o livro, mas o fato é seu prisioneiro (afinal o livro está algemado a Destino) não parece ter conhecimento de tudo que há nele.

Esse tipo de passagem apenas torna o personagem mais enigmático, mais difícil de compreender. Enquanto nos é dito que todas as nossas escolhas e caminhos se encontram no Jardim, o próprio destino parece não possuir esta liberdade: “Destino não possui um rumo próprio. Não toma decisões. Não muda de direção. Seu caminho está traçado e definido, do princípio ao fim de tudo”. Isso representa uma nova alusão a sua posição de acorrentado, Destino não tem como fugir da palavra, ele é tão somente um veículo para o que “deve ser”. Podemos concluir aqui que não existe verdadeiro livre arbítrio, pois nossas escolhas já haviam sido previamente escritas no livro, mesmo quando temos várias opções a mesma não parece haver saída, de alguma forma nossa ações já estão lá.

É interessante pensar como o conceito deste personagem, ao contrário dos demais perpétuos foge dos mais tradicionais arquétipos divinos semelhantes, nesse caso, Deuses que tratam sobre o destino. A própria tríade européia das mulheres (onde temos as Moiras, as Hórai, Hecatae, Morrigan, Parcas, etc) comumente associadas a esta esfera de influência, costumam tomar um papel muito mais ativo do que o Perpétuo. Na verdade praticamente todas as divindades ocidentais que tenham uma forte relação (uma timé poderosa) acerca do futuro e do destino, costumam a agir muito constantemente como deuses de justiça, vingança e equilíbrio. Portanto, me vejo obrigado a relacionar Destino na conduta da não-ação, se pensarmos bem ele segue uma postura bastante funcional com a crença Taoísta. É bastante fácil pensar no personagem o relacionando com muitos dos ensinamentos contidos no Tao te Ching, pois sua vida gira em torna de uma existência extremamente equilibrada e regrada, em uma verdadeira  busca sobre a harmonia do equilíbrio cósmico. Mas vale ressaltar através da não-ação, Destino não intervem, ele apenas segue o caminho que foi escolhido pelo livro para ele seguir.

No entanto, Delírio nos faz o favor de lembrar que existem coisas fora do livro, que existem caminhos fora de seu Jardim e que talvez Destino não seja tudo isso. Existem coisas que ele não sabe, coisas que ele não tem como conhecer. Destino nunca responde a esse tipo de provocação. Que segredos ele guarda?

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